Sinto falta do nosso tempo de criança. Quando podíamos
sorrir sem medo, nossos abraços não tinham maldade, nossa amizade era genuína.
Sinto falta de poder gritar o seu nome simplesmente pelo fato de querer você
aqui comigo, querer o teu abraço novamente. Sinto falta de ligar para você
tendo a certeza de que você iria querer falar comigo. Que eu seria a coisa mais
importante daquele momento. Nossas vozes seriam uma canção de ninar um para o
outro. Eu quero de volta aquele teu sorriso puro, constrangido, que me fazia
querer abraçar o mundo só para te fazer mais feliz. Quero aquela tua
necessidade dos meus conselhos que te fazia mandar mensagens desesperadas
pedindo por socorro. Por falar em desespero, quero teu amor desesperado de
novo, aquele que te fazia declara-se toda e qualquer hora. Aquele que não sabia
explicar o que sentia, mas sabia que era forte e que te consumia. Que sabia a
dor causada pela nossa distância e fazia de tudo para que ela fosse sanada, de
uma maneira ou de outra.
Lembra como a gente se abraçava
forte? Como doía quando a gente se afastava e partíamos para outro abraço logo
em seguida? Ah, eu lembro. Lembro que via a confiança e a serenidade só de
olhar para você. Se havia trevas, você era a luz. No meu mundo particular você
ocupava tanto o topo como a base. O topo por ser a pessoa que eu mais amava e
confiava. A base por ser aquela que eu necessitava para me manter erguida.
Sempre fomos tão atenciosos um
com o outro. Eu entendia suas dores como ninguém e o fazia ver os seus erros e
os erros alheios. Você debochava docemente das minhas dores, logo em seguida me
acolhendo e dando-me aquele choque de realidade que me foi tão útil. Ai, ai, nós
fazíamos um par perfeito. De amigos, é claro. Mas as pessoas sempre coloram
maldade no nosso amor, sem ver que só o estavam poluindo cada vez mais. E nós
lá, remando contra tudo aquilo, jogando tudo o que não nos era útil para fora
do nosso barco.
Mas agora veja, nosso barco está
tão cheio de porcarias que não conseguimos mais tirá-las dele. Por que paramos
de jogá-las fora? O que mudou? Um de nós começou a encher o barco com elas
durante o trajeto. O entulho começou a nos separar e nem sequer conversamos
mais. Eu tento te gritar, mesmo com a montanha de lixo que há entre nós, mas
você não parece ouvir. Está mais interessado no lixo que continua recolhendo
para nos distanciar. Até que eu resolvo me calar, pois perder a minha voz só
valeria a pena se no fim você fosse me responder, mas não o faz.
Então, cheio de lixo que está,
nosso barco fura, e começa a afundar. Eu simplesmente não posso deixar que isso
aconteça, preciso lutar contra. Eu te amo demais para ver nossa amizade
simplesmente naufragar e se tornar restos podres no fundo de algo negro e sem
vida. Começo a tentar nos salvar, salvar isso que levamos anos para construir e
manter de pé. Isso que, antes, era tudo. Nós estamos afundando. Eu estou
tentando tapar o buraco, mas a água está entrando com muita força e você não
vem me ajudar a impedir a entrada dela. Eu não estou mais aguentando, minhas
mãos já estão no limite. Eu não posso fazer mais nada. É o nosso fim.
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