quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Como deve ser viver sem quem amamos?

Nós perdemos pessoas importantes durante a vida de diversas formas. Algumas se afastam com o tempo mesmo querendo estar perto uma da outra; outras se perdem por coisas bobas, como brigas, e acabam por se afastarem. Mas o que acontece quando alguém que amamos morre?
            Minha primeira topada com a morte aconteceu quando minha mãe me contou que sua mãe morreu quando ela tinha 12 anos. Eu não a conheci, não lidei com a dor, com a perda nem com a ausência dela, pois nunca houve para mim. Não tenho o hábito de chamar a mãe da minha mãe de avó, mas sei que seria esse o papel dela em minha vida se a mesma não houvesse caído da janela do 3º andar do apartamento em que morava. Ao contrário de mim, minha teve de lidar com isso aos 12 anos. Quando eu tinha 12 anos só pensava em brincar, encontrar um príncipe encantado e ser veterinária algum dia. Minha mãe pensava em como continuar a viver sem a pessoa que ela mais amava no mundo.
            Ainda criança, eu lidei com a morte pela primeira vez ao vivo quando meu pai me contou que minha irmã havia morrido. Ela tinha 2 meses de vida, nascerá prematura de 7  e, infelizmente, não conseguiu sobreviver a hemodiálise. Meu pai me contou quando estávamos sentados debaixo a amendoeira do meu antigo condomínio. Eu lembro de ter chorado, pois não tive tempo de conviver com aquela criaturinha tão pequena que era minha meia irmã. Ela se foi tão rápido quanto nasceu, deixando minha madrasta desolada por perder a filha e meu pai perdido por não saber lidar com a morte.
            Alguns anos depois meu avó adoeceu. Ele teve câncer, e na verdade eu não sei muito bem qual foi. Não gosto muito de tocar no assunto com o meu pai. Meu avô era a criatura mais doce e boa que eu conheci, hoje sei. Para a minha mãe e a minha madrasta terem gostado dele sem receios é porque ele era realmente tudo isso. Eu lembro bem do meu avô. Ele usava uma bermuda que ia até a barriga com um cinto afivelado. Seus pés eram iguais aos dá minha tia e sua risada era contagiante. Passei tantos momentos divertidos com ele. Lembro do dia em que eu estava passando o final de semana com o meu pai, ou seja, na casa dos meus avós, já que na época meu pai não era casado. Meu avô chegou dizendo que tinha uma surpresa para mim. Eu era criança, achava que era feio ficar insistindo para ele me dizer qual era a surpresa, então achei que ignorar e voltar a brincar era a melhor escolha. Ele veio atrás de mim, magoado, pensando que eu não ligava para o que ele havia comprado para mim. Pelo contrário, eu queria muito saber o que era. Então ele foi e me deu um conjunto de réguas com todas as letras do alfabeto mais um monte de símbolos que aguçaram a minha imaginação e me fizeram muito feliz por bastante tempo. Meu avô era incrível. Mas isso não foi suficiente para sobreviver ao câncer. Eu não fui autorizada a ir visitá-lo no hospital, muito menos ao seu enterro. Eu daria muito coisa para poder ter estado com ele naqueles últimos momentos. Mais uma vez, meu avô era incrível. Morreu deixando uma mulher viúva, desesperada e perdida, dois filhos encaminhados, mas completamente arrasados com a perda, netos que não entendiam o porquê daquilo, amigos que sentiam tanto e se foi sem conhecer sua mais nova neta que hoje tem 4 anos.
            Meu último contato com a morte até agora foi quando a minha bisavó se foi. Eu não sei ao certo sua idade, mas foi beirando a casa dos 90. Minha bisavó sempre foi muito ativa. Tinha sua própria casa que era constantemente lotada por filhos, netos e bisnetos. Ela, todos os dias, ia para o quintal regar as plantas que tanto amava. Minha avó era muito bonita. E guerreira. Viveu em tempos difíceis. Viu a Segunda Guerra acontecer, a bipolarização do mundo, viu um filho cometer um crime, uma ter câncer, outros dois morrerem. Perdeu seu marido e teve que construir sua vida em outro estado, deixando um filho “para trás”. Mas também viu vários deles se casarem, terem seus próprios filhos e conquistarem uma vida afortunada. Minha avó foi uma mulher guerreira. Por ser bem velinha, eu sabia que poderia parir a qualquer momento, tanto que quando me disseram que ela estava internada no hospital eu fiquei bem. Ela estava seguindo o seu caminho. O que me partia o coração era ver seus filhos chorarem em seu leito. Meus tios e minha mãe lá, limpando as lágrimas dos olhos para tentar dar uma força para os mais novos. Incluo minha mãe na parte dos filhos, pois a minha bisavó foi sua mãe logo que a dela morreu. Minha mãe estava perdendo, mais uma vez, a sua mãe, e isso acaba com o coração de qualquer filha. Enquanto eu observava minha bisavó na UTI do hospital, aproveitava para contar a ela que eu decidira fazer psicologia na faculdade. Contava isso, pois talvez ela estivesse resistindo por medo de deixar algum ente desencaminhado. Não sei, talvez fossem apenas fantasias, mas eu acreditei nisso na hora e os sons que ela emitia à mim eram suficiente para  manter minha convicção nessa verdade e me fazer continuar a contar. Quando soube que ela morreu tive um ataque de risos, coisa que eu infelizmente sempre faço ante notícias triste, sei lá porquê. Fui ao enterro ao lado de minha mãe e do meu irmão. Eu a vi deitada dentro do caixão, morta, gelada, com aquelas flores cobrindo todo o seu corpo, só deixando seu lindo e enrugado rosto a mostra, porém coberto com uma renda. Ao ver minha mãe e meus tios chorarem, eu chorei. Por baixo dos óculos escuros, é claro, já que não choro em público. Eu chorava pela dor que eles estavam sentindo. Depois todos fomos acompanhando o caixão até a parede em que ele foi enfiado e lacrado com cimento. Minha bisavó não estava mais ali, estava no céu com seu marido, seus filhos perdidos e com seu sempre amado Deus.
            Até então todas as mortes que eu tive de lidar ou foram indiretas ou já eram previstas. Quando pessoas mais velhas, que não são nossos pais, morrem, é mais fácil de lidar. Porém, eu não imagino a minha vida sem os meus pais. Eu choro por perder um amor, por perder o meu melhor amigo, choro por tudo isso, mas nenhum deles morreu. Todos estão por aí, vivendo suas vidas da melhor maneira que podem. Mas a morte não, ela é aquilo. Morreu, acaba. Para aqueles que estão aqui na terra é extremamente doloroso viver sem quem amamos. Eles não estão por aí correndo o risco de esbarrarem conosco. Eles se foram, estão em outro plano. E pensar nisso é tão triste e ruim. Uma vez eu ouvi que na morte não há nada de dramático e romântico. Só há trevas para os que ficam. Trevas, dor, lamúria e, muitas vezes, arrependimentos. Viver é sim uma dádiva. Mas até quando tudo isso vale a pena se nem todos que amamos estão vivendo está vida conosco?

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