quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Jade,

 
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Você foi embora de mim essa semana e já deixou saudades. Voltei pra casa com uma tristeza no coração; um medo de ver o vazio da casa sem você aqui. Entrei esperando desviar de ti na varanda e todas aquelas coisas costumeiras, mas não. Não tinha nada disso. A varanda está vazia; no quintal você também não está; no terraço nem se fala. Lá você deixou de ir faz tempo. Desde que seu estado piorou você passou a ficar prostrada na porta da sala, levantando-se só para fazer suas necessidades. Isso me doía tanto, Jade. Me doía porque eu lembrava dos teus tempos de glória em Búzios, em que corria aquele quintal enorme, dava voltas e mais voltas na casa com toda aquela tua saúde jovial. Lembro que todos os dias de manhã você pulava o murinho que dava acesso a varanda e parava na porta da cozinha pra pedir miolo de pão. Eu, pequenina, junto com meu irmão e minha prima, além dos avós, tios e meu pai. Era um café da manhã regado de companhia e felicidade. Vô Walter ainda estava conosco e não podíamos pedir mais felicidade. Mas ele se foi. Um maldito câncer o levou, carregando também toda essa vida. Ninguém mais podia ir com frequência para Búzios e tomou-se, assim, a decisão de vender a casa. Você, uma rottweiler, não poderia ficar em qualquer lugar e tinha que ser conosco. Devíamos isso ao vô. Então você veio morar comigo. O terraço passou a ser seu novo lar. Você ficou sem a tua grama verdinha para correr e passou a ter que viver satisfeito com o chão de piso. No teu primeiro Natal aqui, em 2007 aconteceu a tragédia. A gente não sabia que você tinha medo de fogos já que isso nunca fora problema em Búzios. Quando estes começaram a explodir no céu, você simplesmente se jogou do terraço. Foi naquele dia que eu descobri minha falta de vocação para a veterinária. Você acabou consigo mesma, com o teu físico inteiro naquela queda. Desenvolveu uma série de problemas em decorrência do acidente e nunca mais foi a mesma. Nunca mais vou me esquecer de você se arrastando para dentro de casa, ensanguentada, enquanto as pessoas corriam para dentro de suas casas na vila. Elas fugindo de você enquanto você só procurava colo para sanar tua dor. Os anos passaram e você foi vivendo assim, mesmo sem toda aquela tua desenvoltura, você era feliz. Toda manhosa, vinha pra cima da gente pedir carinho; enfiando a cabeça entre as nossas pernas; arrastando o corpo em nós, enchendo todo mundo de pelos. Todos e tudo. Sabia que a casa ainda está cheia de você pelos cantos? Reclamamos por anos dos pelos que você soltava pela casa inteira e agora eu sei que vou sentir falta deles quando eu não os vir mais. Já estou sentindo falta de tudo, Jade. Você dava um trabalho enorme. Prendia a gente em casa, acabava com os meus horários, sujava tudo, entrava em casa quando esquecíamos a porta da sala aberta, fazia xixi aonde não devia, mas isso tudo vai gritar de saudade agora. Porque você não vai mais latir para os vizinhos que passarem na frente de casa, não vai arrastar a unha no chão fazendo aquele barulho de lixa. Não vou mais ver aquela tua cara de coitada quando pedia carinho. Não vou mais precisar entrar pela porta do quintal com as visitas porque você não vai estar lá pra latir pra elas. Algumas coisas eram um estorvo, mas era você marcando presença. E dói. Dói lá no fundo. Porque eu lembro dos filhotes que tu teve na casa de Búzios e que eu, novinha, me tranquei no seu canil contigo para ficar colocando os bichinhos para mamarem em você. Dói porque eu lembro que você esfregava as costas na grama e balançava as patinhas no ar como se estivesse brigando com um ser invisível. Dói mais ainda porque tudo isso não condiz com a imagem que eu vi tua na terça-feira. Você, com os olhos esbugalhados, a língua pra fora e sem respirar, morta, na varanda. Eu sozinha em casa e sem saber o que fazer. Eu gritei para ninguém ouvir porque você estava mais lá pra escutar. Eu chorei sozinha e me desesperei tentando mexer em você pra ver se voltava a vida. Eu já sabia que você iria partir, já estava muito mal, tua doença não tinha cura e tua injeção letal já estava marcada. A gente ia acabar com a tua dor, Jadinha. Mas você escolheu ir antes e deixar todo mundo sem chão. Papai ficou com você na madrugada anterior, né? Ele se despediu ali, pretinha. Ele te amava muito. Vô Walter com certeza estava te esperando pra te levar com ele pro céu. Mas certeza que vocês deram uma passada em Búzios para matar a saudade. E olha, não vou ficar com essa imagem de você não. O que eu vou lembrar vai ser da primeira vez em que eu te vi. Você aqui no Rio, uma bolinha preta e linda. Lembro como se fosse hoje. Eu e meu irmão estávamos de castigo então meu pai não deixou que encostássemos “na nova cachorrinha que ia pra Búzios”. Abri a porta de casa, antes a casa dos meus avós, e te vi atrás do portão, enfiando teu focinho minúsculo entre as grades. Aquele chorinho de filhote me conquistou na hora. Eu sabia que te amaria eternamente. E assim que vai ser, Jade. Você NUNCA vai ser esquecida por nós. Será a nossa preta safada e amada. Será sempre a nossa Jadinha querida. Te amo muito e sinto todos os dias a sua falta.
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Enquanto o sol não vem

— Como tem passado as noites? — Ele sentou do meu lado na areia.
— Não muito bem, você sabe.
— É, eu sei. Ainda sentindo frio, não é?
— Pois é. Não consigo me acostumar com o vazio da cama.
— Estou na mesma.
— Sabe o que eu faço quando fica insuportável? — Ele levantou os olhos, curioso. — Abraço o Stevens.
— Pensei que você tivesse se desfeito dele. — Ele ri porque sabe que eu jamais teria feito isso.
— Não. Ele é meu companheiro agora. Nunca me apeguei tanto à um urso de pelúcia quando aquele. — Levanto os olhos para fixa-lo nos dele — Acho que é coisa sua mesmo.
— Coisa minha? — Pergunta, falsamente inocente.
— Seu cheiro nele, sua lembrança. Essas coisas. Compensação. — Volto a olhar para a areia.
— Você sabe que não precisa disso. — Ele se aproxima, tirando as mexas de cabelo que escondem meu rosto. Eu mantenho o rosto abaixado.
— Realmente. O que eu preciso é você. — Levanto a cabeça e olho em seus olhos. — Mas eu não te tenho mais. O que quer que eu faça?
— Siga… — Ele engasga com as palavras. — Siga em frente, talvez. — Sai em um suspiro.
— Eu deveria mesmo. — Digo, magoada. — Um dia eu consigo. Você deveria fazer o mesmo. Deve ser fácil, já que está me sugerindo isso.
— Para de fazer pirraça. Sabe muito bem que não é assim. — Um suspiro pesado. Cansaço. — Eu queria muito, mas muito mesmo te superar. Passar por cima do que eu ainda sinto por você e seguir em frente, sabe. Conhecer alguém bacana. Tem tanta gente bacana por aí... — Ele se perde nas palavras, como se estivesse falando consigo mesmo. — Mas toda vez que eu penso em virar a página, você me vem à cabeça. Essa tua risada escandalosa, o teu jeito de me chamar de amor, tua piadas sem graça. Esses detalhes, sabe. E aí eu não consigo. Eu fico preso à você; perco a vontade de mudar o disco.
Um minuto de silêncio se estende entre nós. Eu fico fazendo bolinhos de areia com a mão e deixando que seus grãos escorram por entre os meus dedos, aproveitando para assimilar tudo o que ele acabara de dizer.
— Você ainda me ama? — Pergunto, categórica.
— Ainda tem dúvidas disso? — Ele debocha gentilmente.
— Responde. Foi por causa das suas meias-respostas que nós acabamos assim.
— É óbvio que eu amo você. Não tem como deixar de te amar. — Ele me puxa para mais perto, fazendo com que eu sinta sua respiração. — Você foi a melhor coisa que me aconteceu nesses últimos 2 anos. Eu não sei o que eu teria feito se você não tivesse entrado na minha vida. — Ele engoliu em seco. — E você? Ainda me ama? Ainda me quer de volta?
— Eu te amo com todo o meu coração. — Disse devagar. — Mas não sei se te quero de volta. — Minha voz se perdeu no final da frase.
— Entendo… — Ele parecia magoado agora. Mas não afrouxou suas mãos em minhas costas. — E o que sugere que façamos?
— Só por agora, vamos ficar aqui abraçados. Aproveitar a noite, o barulho do mar. O depois a gente deixa pra depois.
Passamos a noite abraçados um no outro, provavelmente temendo o amanhecer, pois nenhum de nós sabia como iria ser. Porém, só por hoje, nós éramos apenas a gente de novo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

De praxe

Como todos os outros que já passaram na minha vida, ele voltou. Primeiro teve aquela aproximação apreensiva, pois não sabia como eu iria reagir a sua volta. E eu não reagi bem, obviamente. Estava cheia de raiva e só queria ser o mais rude possível para que de alguma forma eu pudesse atingi-lo. Então ficamos naquela troca de não-gentilezas bem agradável até que cada um seguisse pelo seu caminho. Porém, como sempre, eles voltam. E voltam cheios de si, achando que um simples pedido de desculpas vai nos fazer cair aos seus pés. Sim, meu coração quase pulou no peito quando vi que ele estava me ligando. Sim, eu tive que sentar para conseguir atender, pois meu corpo inteiro tremia. Sim, eu tive que fazer o maior esforço do mundo para manter a estabilidade na voz enquanto falava com ele. Entretanto, nada disso significa que eu o perdoo pelo que houve. Muito menos que o quero de volta.
Esse resolveu voltar aos pedaços. Permaneceu ciscando ao meu redor, como se quisesse sempre se certificar que eu iria permanecer ali, esperando pelo dia em que ele decidiria voltar de vez. Só tenho uma coisa à dizer: coitado. De verdade. Foi-se a época que eu implorava para o tempo trazer quem eu queria de volta, pois eu iria aceitar um pedido de desculpas se esse o fizesse ficar. Eu não sou assim mais. Quem me magoa uma vez nunca mais me tem por inteiro. Sempre vai ter aquela lembrança do acontecido, e em cada palavra dita terá um ressentimento cuspido. Eu posso ter uma memória péssima, mas uma mágoa é bem diferente. Ninguém esquece uma apunhalada nas costas, um tapa na cara ou uma olhar atravessado. É como no clássico do cristal, ou do espelho, que seja. Uma vez quebrado, nunca mais será o mesmo.
Ele pode vir sempre com esses papinhos de “Tudo bem?”, “Como você está?”, “Me ajuda em uma coisa?”. Enquanto a minha paciência se mantiver, estarei disposta a cooperar. Responderei com todo o meu bom humor natural. Porém, não ache ele que essa minha simpatia recíproca tem algo a ver sobre eu o querer de volta, pois não o quero. “Gostar” e “querer” não andam sempre juntos. Meu coração pode disparar todas as vezes que eu falar com ele, minha mente pode buscar milhões de alternativas para um final feliz nosso. Tudo isso e mais pode acontecer, porém minha guarda permanecerá levantada e eu continuarei querendo distância. Eu não vou esquecer o que aconteceu, não vou esquecer o que ele me disse, o que eu vi, nem o que li. Todas essas lembranças vão permanecer aqui. Se algum dia minha guarda ousar baixar, as lembranças vão gritar em minha cabeça como um sinal de alerta para eu me afastar dele. E eu vou fazer de tudo para ouvi-las.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Gostar sim; permanecer jamais

Ele não presta. Está sempre sorrindo para todas as mulheres que passam por ele, mas é dele que eu gosto. Ele me trata como uma rainha, mas seu castelo vive lotado delas, então isso não faz de mim alguém especial, só mais uma que ele idolatra. E mesmo assim eu gosto dele. A gente tem momentos maravilhosos juntos. Ele vive dizendo que comigo tudo é diferente, que eu sou a única capaz de fazê-lo perder o fôlego, mas eu sei que é mentira. Ele diz isso para todas, mas eu sempre finjo pra mim mesma que eu sou especial, porque eu gosto dele. Eu abro mão dos meus quereres só para fazê-lo mais feliz. Adio meus compromissos para estar com ele, mesmo que ele me dispense diversas vezes dizendo que tem uma reunião de última hora, sendo que eu sei que ele está com as outras. Mas eu aturo porque eu gosto dele. Meus amigos dizem que eu sou uma idiota por aceitar esse tipo de relação. O que elas não sabem é que viver sem ele é bem pior do que tê-lo pela metade. Ele é assim, do mundo, sabe? Sempre foi bicho solto, que gosta de voar livre por aí. De vez em quando ele pousa, porém não permanece por muito tempo. Eu o conheci assim, sempre soube. Ele nunca disse coisas como “eu sou seu” e derivados. Sempre deixou bem claro que estava ali naquele momento, mesmo que insistisse que aquele era especial, mas que no dia seguinte ele já não sabia onde iria estar. E acho que a graça é essa, sabe? O medo que eu tenho de não o ter no dia seguinte ativa a atração louca que eu tenho por ele, fazendo com que eu me apegue mais. Quando eu o vejo sair pela porta do meu apartamento meu coração se aperta no peito. Mas quando eu o vejo entrar explodo em êxtase. É uma loucura, eu sei. Porém, se ele um dia dissesse que decidiu ficar, eu o mandaria embora. Não conseguiria viver sem sentir a falta dele. Tê-lo só para mim faria com que eu enjoasse de tanta segurança e presença. Prefiro assim. Ele aqui comigo hoje, e amanhã lá, com o mundo todo em seus braços. Afinal, eu gosto dele.
“No matter what you need from me / You know you’ve got it
If I can give you anything / You know you’ve got it
You can call me any moment / If you need some love
I’ll be there”